Presidente-Fundador do CAU RJ

terça-feira, 18 de maio de 2021

CIVILIZAÇÃO ou BARBÁRIE: progressismo ou conservadorismo?


Estava lendo uma crítica ao crime bárbaro, infanticídio, na verdade, cometido por um parlamentar dito "conservador", e considerei tratar-se de um paradoxo. Mas atentei aos conceitos etimológicos e vi não ser um caso tão divergente assim.
O conceito literal de civilização, de um povo ou país, relaciona-se a vários fatores que vão do nível de tecnologia e desenvolvimento científico disponíveis, até seus comportamentos sociais, tipos de habitações, como comem ou preparam seus alimentos, enfim, todo o conjunto de atividades que, de alguma forma, se relaciona com o BEM-VIVER HUMANO.
Ocorre que todo esse conjunto de aspectos que determinam o grau de civilização de um povo, é oriundo da consciência que o homem ocidental tem do mundo; que sempre julga a civilização mais nova mais importante e superior às mais antigas, e que traduz o orgulho de seu povo para com o progresso da humanidade. Mas se nem mesmo todas as civilizações ocidentais têm o mesmo entendimento, que dirá se olharmos civilizações distantes de nossos valores?
Para os alemães, por exemplo, a palavra "zivilisation" que, na tradução literal seria "civilização", é um substantivo de menor importância, que não designa seu orgulho enquanto povo, posto que se relaciona mais à civilidade daquilo que é observável; ou seja, do que é superficial na aparência e no comportamento humano. Para os alemães, a palavra que lhes traz orgulho e respeito é "kultur", que, literalmente, traduz-se como cultura, e que alude às realizações humanas peculiares. A palavra que melhor designa "civilização", como nós entendemos e empregamos o conceito, que envolve valores, comportamentos, moral, intelectualidade, orgulho etc., em alemão, seria "kultiviert "(cultivado, ao pé-da-letra). Para eles, nada que não tenha valor "kulturell" (cultural), não pode ser considerado "kultiviert" (civilizado) (Norbert Elias - O processo Civilizador, 1994).
Claro que alguns comportamentos nas civilizações pregressas, como escravidão, tortura de animais e de humanos, dominação (de gênero, etnia ou credo), embora fossem valores considerados normais em várias épocas, já foram consensuados que não trazem benefícios às pessoas (pelo menos não à maioria) e, como o que se pretende ao final é o bem-viver comum, não são reproduzíveis em novas civilizações, ao contrário, precisam ser combatidos. Por outro lado, muitas civilizações humanas dominaram outras apagando os valores culturais locais e impondo os seus, como se satisfatórios e plenos para a felicidade humana fossem, e isso não faz tanto tempo assim; de fato, ainda é realidade atual. A diferença maior entre o que é cultural, logo, preservável, e o que é barbárie, logo expurgável, reside justamente naquilo que traz equidade de condições de bem-viver e distribuição máxima de benefícios ao seu povo.
Assim chegamos ao conturbado conceito de "conservadorismo" que, via de regra, é uma filosofia social civilizatória que defende a manutenção das instituições sociais tradicionais – como a família, a comunidade local, a religião, os costumes, tradições e convenções. Tais valores seriam considerados culturais, NÃO FOSSE O FATO de opor-se ao multiculturalismo e ao cosmopolismo cultural, comum aos grandes centros urbanos. O conservadorismo mais ortodoxo oprime os que diferem de seu modus vivendi, entretanto, na esfera política, anui com a diversidade - entre pobres e ricos - e não acha que seja papel do Estado prover políticas de igualdade econômica entre os cidadãos. Ou seja, se o conservadorismo exige manter o modo de vida "tradicional", igual para todos, mas defende que haja diferença de benefícios para boa parte da população, essa filosofia se distancia do progressismo, da busca do bem-viver a todos, conservando, na verdade, valores de antigas civilizações onde o desequilíbrio social, a barbárie, a injustiça, a privação de liberdade, eram consideradas normais. E, da mesma forma como não se pode considerar a escravidão, a tortura, a homofobia, a misoginia, a xenofobia, o patriarcado, o preconceito, como valores culturais, e sim "desvalores estruturais", conservadorismos segregadores precisam ser combatidos pela atual e futuras civilizações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário