Presidente-Fundador do CAU RJ

segunda-feira, 22 de junho de 2020

A ARTE CRITICA A VIDA II

A ARTE CRITICA A VIDA II
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"Um vestiário de um time de futebol de várzea não saberia proferir vocabulário mais chulo", disse-me um amigo, e fui procurar ver um trecho da tal reunião na íntegra. Constatei que o pior de tudo é que os palavrões (1 a cada 4 ou 5 palavras) eram os menores dos problemas ante a chuva de desmandos, de malfeitos, de “jeitinhos brasileiros”, de falta de transparência nas conversas cifradas, nas vomitadas de ódio, nas perigosas ameaças veladas, e nas mais violentas e escancaradas arrogâncias. Queria eu poder ter sido poupada dessa vergonha alheia (de um alheio que, certamente, não tem um pingo de vergonha), e ter que explicar para uma filha adolescente que, definitivamente, esse não é o que se espera do primeiro escalão do governo de um país; que tudo aquilo só podia ser fake...
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A "vibe" estava mais pesada do que o subnível do vocabulário. Se fosse fake, se fosse um filme, estaria mais para uma reunião de mafiosos articulando quais cabeças iriam rolar, antes que um parente/amigo do Poderoso Chefão fosse desmascarado. Talvez Francis Ford Copolla precisasse ter feito um laboratório naquele gabinete para dar ainda mais autenticidade à sua trilogia. Sem contar com a participação pra lá de especial da única “ministra-dama”(?) naquela mesa, que muito se assimilaria com a mãezona-lenda da sétima arte, que protagonizou outro filme como chefe de quadrilhas, Ma Barker.
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Mas não era cinema, era mundo real, era um gabinete de ministros de um país prestes a se tornar campeão no ranking COVID-19 (em alguns segmentos já se tornou). Não falavam em vidas, em proteger pessoas, em planos emergenciais... falavam em políticas de censuras, de punições aos contraditórios, prisões infundadas, morais duvidosas, falavam até em se aproveitar da distração da imprensa para vender mais um pedaço do meio-ambiente. Sim, porque nesse gabinete-manicômio, estilo comédia nonsense ou teatro de absurdos, o ministro de meio-ambiente menospreza ecologia; a ministra das mulheres nos subjuga como idiotas; o ministro da saúde terá que adular a cloroquina; o Presidente da fundação Palmares nega existência de racismo e até simpatiza com a escravidão; a secretária da cultura disse que nem conhecia Aldir Blanc (então para que notinha de pesar?); o ministro da educação ... esse então é “impreCionante” como simplesmente não a tem.
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E esse curta de mau gosto, de roteiro inverossímil, é o único assunto que tem conseguido roubar a cena de metade dos noticiários brasileiros, em detrimento ao horror da pandemia. Um longa-metragem mostrando Lord Valdemort “conjurando” contra o mundo dos humanos, ou ainda Darth Vader vociferando com seus Stormtroopers querendo dominar o mundo, não seriam mais amorais, nem nos causariam tamanha comoção. Enfim, tomara que essa história acabe logo e, como no cinema, os vilões sejam desarticulados. Enquanto isso, talvez Quentin Tarantino tenha que estagiar nesse gabinete, quando desejar produzir Pulp Fiction II (fica a dica).

Obs: comparar com a ficção do cinema foi uma alternativa menos agressiva que consegui fazer a minha crítica e mostrar a minha indignação. Que me desculpem os profissionais da 7ª arte, pela comparação com essa choldra.

(artigo publicado no Facebook)

Leila Marques

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O NOVO NORMAL

O NOVO NORMAL

Quando, em 1997, o cinto de segurança passou a ser item obrigatório para passageiros e motoristas em trânsito nos veículos automotores, e isso não era o normal, alguns acharam que essa passaria a ser mais uma das “leis que não pegam”. Isso porque no Brasil, há leis que são criadas e, simplesmente, a população ignora - e não é ignorar no sentido de não saber que existe; é ignorar no sentido de conhecer, mas desprezar solenemente. É o caso, por exemplo, da recente lei que estabeleceu punição para o transeunte que joga lixo nas ruas. Ou da lei que estipula a jornada de trabalho animal. As intenções parecem ótimas, mas do jeito que foram elaboradas, omissas tanto no sentido do como exigir o cumprimento, quanto no sentido da fiscalização e, principalmente, da penalização dos infratores, que, eu até diria, explica (mas não justifica) o desrespeito do cidadão, em alguns casos.

Verdade é que a amplitude das campanhas de orientação e divulgação são tão ou até mais importantes que as próprias leis formais, e dela dependerá se a lei “pega” ou não. O cinto de segurança é um caso desses de sucesso, graças campanhas educacionais que, até hoje, têm espaço nas mídias. Não fumar em ambientes fechados também é um sucesso, mas esse, sem dúvidas, deve graças aos não-fumantes que passaram a ser fiscais contumazes desse dispositivo legal.

Mas não podemos viver ao sabor de leis que precisam “pegar” para funcionar. Ainda mais nesse momento de pandemia, que ninguém quer “pegar” nada, as leis ou decretos precisam ser bem claros, concisos e bem contextualizados para evitar a adoção do contágio compulsório.

No Brasil, país da piada pronta, como diz o famoso jornalista-humorista, José Simão, é normal ter leis que não pegam porque o próprio governo cria dificuldades para que elas não peguem, ou, no linguajar do momento, não se disseminem, como deveriam.

É o exato caso da Lei do auxílio emergencial de R$600,00 por conta da crise do coronavírus, que é liberado rapidamente para quem não faz jus (como foi o escândalo dos militares) e fica uma eternidade “em análise” para uma população carente e aflita por esse recurso. E ainda tem o segundo round da gincana atrás desse recurso, que são as filas de banco, e/ou filas para acerto de documentação. Há, portanto, os que ganharam mas não levaram e há os que levaram a primeira parcela e sambaram na segunda. Há de tudo. Essa Lei tá pegando muito mal.

Já a Lei que obriga o uso de máscaras em lugares públicos, se dependesse do exemplo do Sr. Presidente, teria sido mais uma lei que não pegaria. Felizmente, a grande maioria da população já aderiu a esta nova necessidade, tanto que o novo normal agora é encontrar pelas ruas, na tv, pessoas com este adereço, de várias cores e formatos, tapando-lhes o que antes era a mais normal forma de comunicação: a expressão facial.

No novo normal brasileiro, temos encarado os dissabores de um governo desgovernado que muda seu primeiro escalão ao sabor da sua anormalidade. Temos um presidente que vocifera contra a Constituição e conduz uma reunião ministerial com um palavreado subnormal. Temos assistido o comportamento infranormal de Ministros (em especial destaque ao da Educação), presidente de Fundação, Secretária da Cultura, Chefe de Gabinete, entre outros. E temos, como inspiração dessa anomalia toda, um ‘filósofo” que acredita que não houve golpe militar, que professores são vagabundos e quiçá a Terra seja plana.

E não são novos, porém normais para os brasileiros, os escândalos diários de governantes que se aproveitam dessa crise para lesarem os cofres públicos em licitações fraudulentas. Ou o Prefeito que se aproveita do desespero econômico para vender o planejamento urbano da cidade como quem vende produtos na xepa da feira (analogia do meu amigo CF).

Bem, se estamos encarando isso tudo dentro de toda essa pandemia sem sucumbirmos, então, não se preocupem, amigos: depois, tudo o que vier de NOVO será extremamente NORMAL.

Arq. Leila Marques

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O CASO GEORGE FLOYD, RACISMO E O SISTEMA DE COTAS NO BRASIL

O CASO GEORGE FLOYD, RACISMO E O SISTEMA DE COTAS NO BRASIL

Ratificando a tarja que envolvi ao meu rosto na foto da página do Facebook, dizendo "antirracista", resolvi escrever uma matéria sobre o emblemático caso George Floyd que, não por acaso, conseguiu atrair a atenção e protestos do mundo todo. Afinal, para ser antirracista não basta se indignar; é necessário se manifestar também, isso aprendi há pouco tempo.

Seria lugar comum dizer que todos os dias, no Brasil e em vários outros países, Georges são sufocados e, não em poucos casos, alguns chegam às vias de fato, morrendo clamando apenas por um tratamento humano, pelo simples direito de poder respirar. Todos lembram de outro caso emblemático, cá no lado de baixo do Equador, quando sufocado morreu também, no Rio de Janeiro, o sequestrador do ônibus 174, que, apesar do caso já estar sob controle (após o insucesso do policial que abateu a própria vítima), o prisioneiro, Sandro do Nascimento, chega morto à delegacia, sufocado dentro do camburão da polícia. Caso que até nos rendeu um filme, mas hoje não vou falar de cinema.

Ao me sentar em frente ao computador para começar a escrever, recebi como inspiração da nada “Divina Providência”, uma mensagem WhatsApp, de um colega arquiteto, cuja identidade preservarei por aqui, falando (mal) do assunto de cotas de negros nas universidades públicas.

Assim sendo, ao invés de apenas falar genericamente de justiça social, em homenagem, não aos seus feitos, mas às vidas de Sandros, Georges, e outros pretos e pretas que morrem ou vivem vidas miseráveis por atos racistas de ação ou de pura omissão, resolvi postar, compartilhando com vocês, a carta-resposta que escrevi ao colega. Nos comentários, segue a carta dele.

"Caro R*,
Sua declaração de hoje, tal como outras que vc insiste em me enviar, como se eu fosse simpatizante ao seu “modus vivendis” , me tocou a ponto de ter que, dessa vez, deixar de desprezá-las e rebater, não porque eu tenha esperança de lhe incutir qualquer tipo de conceito humanitário, progressista e menos reacionário. Mas porque é minha obrigação de ANTIRRACISTA combatê-la e dar a minha versão aos fatos.

Na verdade, pela sua declaração igualmente preconceituosa sobre a “turminha limpinha do politicamente correto”, “formados medíocres e doutrinados”, eu já nem deveria continuar sua leitura, mas hoje me pegaste num dia que acabei de ler alguns artigos sobre a morte de George Floyd, e não posso deixar passar batida a sua mensagem.

Primeiramente, falemos sobre o tal “Presidente da Fundação Palmares”. Aquele que declarou que a escravidão foi bom para os pretos... Sobre esse senhor, repugnante senhor, não há nada que eu possa dizer que já não tenha sido dito por tantas vozes pretas, indignadas como esse “capitão do mato” se comporta. Apenas contesto a sua fala quando vc diz que ele “não tem bom modos”. Ele tem bom modos sim. Mas o problema dele não é o “como” ele fala. O problema é o “que” ele fala, no cargo que ele ocupa, na posição que ele deveria representar! Mas vamos combinar que foi uma “jogada de mestre” da cúpula deste DESgoverno colocar um preto, numa fundação que deveria defender os interesses dos pretos- (já que racismo é associado aos brancos)- mas colocando um preto racista!! Sim, porque pretos racistas não são poucos nem raros, lamentavelmente. Assim, esse homem preto, escolhido a dedo, passa a fazer exatamente o que este governo fascista deseja: segregá-los cinicamente.

Mas vamos em frente. Com relação às “cotas”.

O seu paradigma é que “cotas são um incentivo ao racismo, porque pretendem equacionar a distorção numérica do número de preto/as nas universidades públicas provocadas pela própria incapacidade do Estado de prover direitos iguais a todos os cidadãos”. Ocorre que, ao promover cotas, não significa, em absoluto, que o Estado deva parar de adotar quaisquer outras medidas para prover igualdade de direitos a todos os cidadãos. Elas não são excludentes, R*. Mas sabemos que outras medidas só obterão resultados a longo prazo e o assunto precisa de um início (e tomara um dia possa ter fim, não sendo mais necessário). Tampouco significa que ao promover essa ação de equilíbrio com o sistema de cotas, o Estado esteja incentivando o racismo, porque alijá-los foi o que fizemos durante séculos, e privá-los dessa oportunidade SIM é que continuaria sendo um ato racista. Portanto, caríssimo, falar de pretos, de diferenças existentes entre pretos e brancos, dar oportunidades diferenciadas a pretos não é racismo!!! O racismo só acontece quando diferenciamos os pretos (ou poderia ser outra raça) no objetivo de prejudicá-los, de privá-los de oportunidades, de menosprezá-los ou de humilhá-los. Se a intenção, ao diferenciarmos pretos e brancos, é ajudar o equilíbrio social, isso não é racismo. É solidariedade, entende?

Sobre o seu “exemplo” raso eu poderia lhe dar um sem-número de exemplos em que preto/as mais bem preparado/as perderam oportunidades de emprego para branco/as menos capacitado/as, só porque são pretos. Isso também é injusto, e até hoje é assim. Mas ao invés disso, vou lhe dizer que toda ciência humana não é exata como a matemática. Aliás, a própria matemática é questionada pela física quântica, logo, nem mesmo ela pode ser assim tão exata...há casos e casos. Mas fato é que a ciência trabalha com experiências, resultados, estatísticas e esse é o melhor que se pode esperar de um conceito que pretende nortear uma política pública, no caso em questão, da admissão de mais pretos nas faculdades públicas gratuitas.

Então, os cientistas sociais (e nem precisa ser tão cientista assim) observaram o ÓBVIO: que esse exemplo que vc citou é exceção e não a regra geral. Além disso, a política de cotas para pretos não consegue sanar a questão da desigualdade social de ordem econômica. A política social de cotas para pretos pretende mitigar apenas a diferença social existente de ordem racial. Significando que ela sozinha seria um ato de simples benevolência, de assistencialismo. Mas quando o sistema de cotas se integra a todo um plano de governo (coisa que jamais veremos neste governo ultraliberal atual) que tenta promover a igualdade social, em geral, ela atende perfeitamente ao seu intuito, e é muito justa.

Lembre-se igualdade e justiça são coisas muito diferentes.
Saudações

Leila Marques da Silva

#antirracismo #vidaspretasimportam #solidadriedade

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