Presidente-Fundador do CAU RJ

terça-feira, 18 de maio de 2021

2020 Uma Odisseia na Terra

 2020, Uma Odisseia na Terra

Sem dúvidas o ano foi de ressignificação da relevância de várias profissões, a começar pelos intrépidos motoboys que passaram a ser fundamentais na entrega de nossas compras diversas, chegando aos deuses profissionais da medicina, a quem só nos resta ajoelhar para os agradecimentos infinitos.
Em algum ponto dessa caminhada, temos nós, arquitetos e urbanistas, responsáveis, a princípio, pelo provimento do planejamento de habitações e de cidades que deveriam ser mais justas, onde todas as pessoas deveriam poder manter o isolamento social em condições dignas de segurança e conforto, e que acabamos acordando para o quão distante estamos de conseguir essa isonomia e o quão primitivas ainda são as condições de habitabilidade de um número expressivo de cidadãos de nossas cidades.
Nessa jornada de profissões ressignificadas, homenageio aquelas que produzem a 7ª arte que nos acalentou nesse ano 2020. Como não reconhecer esse valor? Como boa cinéfila, adorando analogias (já fiz algumas sobre a pandemia), chego ao fim de 2020 intitulando este ano como o da odisseia, e, dessa vez, diferente de 1968, onde a Odisseia de Stanley Kubrick era no espaço, vivemos uma no próprio planeta Terra.
No filme, a odisseia revela homens primitivos fazendo suas descobertas, tal como descobrimos que, em nossas cidades, há homens e mulheres vivendo em até piores condições do que as primitivas. Ao menos a caverna "primitiva" era mais segura para os perigos da época.
Mas as semelhanças deste nosso ano com o filme não param por aí. No filme, a temática principal era a saga da humanidade versus tecnologia. Nosso ano não foi diferente colocando o homem "evoluído" tão vulnerável diante de um ser invisível, dependendo de uma tecnologia urgente - a vacinação.
No filme, o monolito "colocado" no ambiente do homem-macaco, é uma forma de provar que há vida que não vemos (no caso atual microscópica, no filme, extraterrestre), e, em ambos os casos, essa verdade provoca alterações de comportamento humano; boas e más.
Há também menção a uma suposta epidemia que estaria se espalhando na base espacial do filme e isso não é somente uma coincidência. É mais uma vez a arte alertando à vida.
O arquiteto Gregory Caicco comparou o filme 2001, Odisseia no Espaço com a nossa busca pelo espaço que é motivada por dois desejos contraditórios: um "desejo pelo sublime" caracterizado pela necessidade de encontrar o divino—e o desejo conflitante por uma beleza que não nos faz mais sentir "perdidos no espaço", porém em casa. E quem não esteve na odisseia de 2020 em busca da proteção do divino dentro da sua própria casa?
Em ambas as odisseias, o MEDO está presente, seja pela inteligência artificial do filme que teme o despertar das emoções humanas (renascimento da humanidade), seja na nossa realidade onde o medo, ao contrário do filme, é pela morte de nossa própria humanidade.
Justamente por ser considerado um clássico, um filme cult, muitos têm vergonha de dizer que não entenderam ou que simplesmente não gostaram dele. Mas é muito mais comum do que se pensa não entender ou não gostar do filme original dada a sua narrativa lenta, muito sugestiva e nada objetiva. E até nisso a Odisseia escrita em 68, que se passa ficcionalmente em 2001, tem em comum com a nossa odisseia de 2020- a narrativa parece lenta, a pandemia parece mesmo que não acaba, quando achamos que a onda está no lado descendente da curva e que "tudo" pode acabar, vemos que a longevidade da odisseia é ameaçadora.
Mas para que eu não comece a receber as mesmas críticas do filme, pela sua longa narrativa e de final indefinido, paro por aqui recomendando que olhemos para o futuro com o mesmo semblante de esperança do embrião evoluído que fecha as cenas do filme, usando toda a experiência dessa odisseia para um renascimento de seres humanos muito melhores, não só tecnologicamente, mas no âmbito da generosidade, do altruísmo e da humildade.
Feliz 2021.
Arquiteta Leila Marques





CIVILIZAÇÃO ou BARBÁRIE: progressismo ou conservadorismo?


Estava lendo uma crítica ao crime bárbaro, infanticídio, na verdade, cometido por um parlamentar dito "conservador", e considerei tratar-se de um paradoxo. Mas atentei aos conceitos etimológicos e vi não ser um caso tão divergente assim.
O conceito literal de civilização, de um povo ou país, relaciona-se a vários fatores que vão do nível de tecnologia e desenvolvimento científico disponíveis, até seus comportamentos sociais, tipos de habitações, como comem ou preparam seus alimentos, enfim, todo o conjunto de atividades que, de alguma forma, se relaciona com o BEM-VIVER HUMANO.
Ocorre que todo esse conjunto de aspectos que determinam o grau de civilização de um povo, é oriundo da consciência que o homem ocidental tem do mundo; que sempre julga a civilização mais nova mais importante e superior às mais antigas, e que traduz o orgulho de seu povo para com o progresso da humanidade. Mas se nem mesmo todas as civilizações ocidentais têm o mesmo entendimento, que dirá se olharmos civilizações distantes de nossos valores?
Para os alemães, por exemplo, a palavra "zivilisation" que, na tradução literal seria "civilização", é um substantivo de menor importância, que não designa seu orgulho enquanto povo, posto que se relaciona mais à civilidade daquilo que é observável; ou seja, do que é superficial na aparência e no comportamento humano. Para os alemães, a palavra que lhes traz orgulho e respeito é "kultur", que, literalmente, traduz-se como cultura, e que alude às realizações humanas peculiares. A palavra que melhor designa "civilização", como nós entendemos e empregamos o conceito, que envolve valores, comportamentos, moral, intelectualidade, orgulho etc., em alemão, seria "kultiviert "(cultivado, ao pé-da-letra). Para eles, nada que não tenha valor "kulturell" (cultural), não pode ser considerado "kultiviert" (civilizado) (Norbert Elias - O processo Civilizador, 1994).
Claro que alguns comportamentos nas civilizações pregressas, como escravidão, tortura de animais e de humanos, dominação (de gênero, etnia ou credo), embora fossem valores considerados normais em várias épocas, já foram consensuados que não trazem benefícios às pessoas (pelo menos não à maioria) e, como o que se pretende ao final é o bem-viver comum, não são reproduzíveis em novas civilizações, ao contrário, precisam ser combatidos. Por outro lado, muitas civilizações humanas dominaram outras apagando os valores culturais locais e impondo os seus, como se satisfatórios e plenos para a felicidade humana fossem, e isso não faz tanto tempo assim; de fato, ainda é realidade atual. A diferença maior entre o que é cultural, logo, preservável, e o que é barbárie, logo expurgável, reside justamente naquilo que traz equidade de condições de bem-viver e distribuição máxima de benefícios ao seu povo.
Assim chegamos ao conturbado conceito de "conservadorismo" que, via de regra, é uma filosofia social civilizatória que defende a manutenção das instituições sociais tradicionais – como a família, a comunidade local, a religião, os costumes, tradições e convenções. Tais valores seriam considerados culturais, NÃO FOSSE O FATO de opor-se ao multiculturalismo e ao cosmopolismo cultural, comum aos grandes centros urbanos. O conservadorismo mais ortodoxo oprime os que diferem de seu modus vivendi, entretanto, na esfera política, anui com a diversidade - entre pobres e ricos - e não acha que seja papel do Estado prover políticas de igualdade econômica entre os cidadãos. Ou seja, se o conservadorismo exige manter o modo de vida "tradicional", igual para todos, mas defende que haja diferença de benefícios para boa parte da população, essa filosofia se distancia do progressismo, da busca do bem-viver a todos, conservando, na verdade, valores de antigas civilizações onde o desequilíbrio social, a barbárie, a injustiça, a privação de liberdade, eram consideradas normais. E, da mesma forma como não se pode considerar a escravidão, a tortura, a homofobia, a misoginia, a xenofobia, o patriarcado, o preconceito, como valores culturais, e sim "desvalores estruturais", conservadorismos segregadores precisam ser combatidos pela atual e futuras civilizações.

sábado, 22 de agosto de 2020

AUTÓDROMO de DEODORO/RJ: corrida à vista! Grande "Circo" da Fórmula 1

 AUTÓDROMO de DEODORO/RJ: corrida à vista!

Grande "Circo" da Fórmula 1

Por Leila Marques

#arquiteta #urbanista #camboatá #autódromo #projeto #políticaspúblicas #puxadinho #meioambiente

E foi dada a largada para mais uma corrida, rumo ao GRAND PRIX F-1: "QUEREM ACABAR COM O MEU RIO".

Na volta de apresentação, eu começo pelo piloto 'pole position': o Presidente da república das bananas, ainda sem escuderia, que, depois de um ano inteiro de depoimentos desastrosos, nomeações antagônicas às necessidades de vários cargos técnicos, vexames internacionais, demonstrações claras de desprezo pela vida humana, foi pego no exame antidoping pelo uso indiscriminado de cloroquina, e, portanto, cumpre agora um recesso de aparições lacrativas nas mídias, coincidentemente diante do intrigante caso QUEIROZ. Nosso protagonista, quando não está comandando a Pátria Amada, tem domicílio na Barra da Tijuca do Rio de Janeiro, onde tem um grande curral de seguidores (alguns dos quais tentando passar a boiada numa das várias aberturas de porteiras), mas, seu projeto que concorre mesmo ao Grande Prêmio F-1 do Rio de Janeiro, é uma proposta que flexibiliza os parâmetros da Estação Ecológica (Esec) de Tamoios, na Baía da Ilha Grande, para alavancar o ecoturismo na região, transformando uma rica reserva ambiental naquilo que seu clã vem chamando de "Cancún brasileira".

Não fosse suficientemente cafona querer copiar aquilo que, originalmente, já é uma cópia sem-vergonha do sonho americano de consumo e status, o projeto, que vem sendo amplamente defendido pelo senador, filho, do "Piloto Pole Position", é um crime ecológico num ecossistema que mal suporta a construção de um píer, como vem tentando aprovar, o maior resort da região.

Na segunda posição do grid de largada, parceiro do piloto Presidente 'Pole Position', o Prefeito pastor, que tem promovido audiências públicas estilo 'pit stop', e ainda tenta, apesar dos protestos populares, nos entuchar neste Grande Prêmio, seu "PL do Puxadinho"; assunto que já me rendeu um artigo detalhado há alguns dias no Facebook e na revista Forum. Portanto, não vou esticar mais comentários desse concorrente por aqui. Apenas afirmo que é um forte candidato nesta etapa da corrida brasileira, e busca o prémio na categoria "desplanejamento urbano".

E agora, correndo por fora, temos o zebrão da F-1 do descalabro. Trata-se de um projeto do Estado do Rio de Janeiro, logo, imputemos ao nosso digníssimo Governador WW (que não é nem Wolksvagen), o crédito do projeto de construção do autódromo dessa corrida distópica, num lugar que parece ter sido escolhido a dedo (podre) para empobrecer mais as reservas pulmonares da nossa cidade: A Floresta do Camboatá, em Deodoro, subúrbio da cidade do Rio.

Na verdade, a ideia da construção deste empreendimento dentro da Floresta do Camboatá já vem se desenrolando, pelo menos, desde 2011, de acordo com os membros do Movimento SOS Floresta do Camboatá, organização que foi criada justamente naquele ano, em reação aos primeiros sinais de tomada do espaço pelos nossos "pilotos do apocalipse".

Mas vamos ser justos. O Governador WW não poderá levar o crédito todo sozinho se, nessa corrida maluca, esse projeto for o vencedor. O piloto Governador WW terá que dividir a taça e o champanhe com o piloto Presidente 'Pole Position' e com o piloto Prefeito 'Pit Stop'. Os representantes das três esferas do governo, juntos, em maio do ano passado, numa chicane providencial, assinaram um termo de compromisso para a construção do autódromo de Deodoro, ou eu deveria dizer, autódromo da Floresta de Camboatá.

Na ocasião, WW dizia que não havia nenhuma restrição para a construção do autódromo, pois, segundo ele, o meio ambiente seria favorecido, já que "teria mais gente cuidando do entorno". Isso é um deboche, considerando que o meio ambiente, que inclui cerca de 180.000 árvores de madeiras de lei em risco de extinção, cujo o entorno seria "melhor cuidado", simplesmente deixaria de existir.

Já o nosso 'pole position' afirmou, na mesma época, que, após o resultado das eleições de 2018, São Paulo, que tinha participação pública no empreendimento automobilístico, apresentava uma dívida enorme, tornando-se inviável sediar a F-1 por lá. Afinal, provar que a culpa da saída da F-1 de SP para o RJ teria sido do governo Haddad, seu grande adversário político, seria o melhor dos prêmios para o piloto Presidente.

Por fim, nosso piloto 'Pit Stop', além de seu fortíssimo projeto "PL-Puxadinho", candidato ao GP-Rio, concorre também na categoria "estou quebrado mas quero fazer obra". Com uma Prefeitura falida, vendendo quase o pico do Pão-de- Açúcar para arrecadar dinheiro, o digníssimo Prefeito ainda defende a sandice da construção desse autódromo, estimado em mais de R$ 850 milhões, que eu nem tenho coragem de imaginar de onde viriam tais recursos.

Acenem a bandeira branca - coloquem o 'safety car' na pista, por favor!

É importante que eu deixe claro que ter um autódromo na cidade do Rio de Janeiro é um empreendimento com grandes chances de trazer desenvolvimento sob vários pontos de vista, e eu não seria capaz de menosprezar. Entretanto, avivo as memórias dos esquecidos, que, há pouco tempo, destruímos nosso autódromo de Jacarepaguá, para a construção de um parque olímpico. Está ou não faltando PLANEJAMENTO nessa cidade?

Bem, dos três beligerantes projetos, dos três respectivos pilotos desGovernados, que pretendem implantar no nosso Rio de Janeiro, qual chegará primeiro para levar a bandeirada quadriculada da vitória, ainda não sabemos. Mas ficou claro, desde há muito, que os perdedores serão, com algumas voltas de desvantagem, a natureza e, consequentemente, a qualidade de vida dos cidadãos fluminenses.